
NICHOS URBANOS
Lucas Pacheco Brum
Observar, imaginar, fabular e produzir pausas para registrar as cenas da edificações arquitetônicas, a mobilidade urbana, o ócio cotidiano, o caminhar sobre as faixas de segurança, os acontecimentos diários nas paradas do ônibus, as placas de trânsito, os postes de luz, os cachorros desabrigados e os orelhões de telefones públicos, em grande parte grafitados e obsoletos, que compõem a paisagem urbana, é para Michele Martines matéria prima para as suas criações. Em suas composições a rua ganha novos sentidos, significados e modos de ver e pensar a cidade, a partir de texturas, cores e pinceladas.
Os orelhões para a artista ganham destaque em suas pinturas, pois passam a ser objeto recorrente em suas produções bidimensionais. E que, consequentemente, atravessam as dimensões de altura e largura das suas telas, infringindo o próprio ambiente urbano, como planta/escultura. São orelhões telefônicos, com formatos arredondados, que perdem sua originalidade e finalidade, voltam a integrar a paisagem urbana como objeto de arte. suporte de pintura, a artista compõe um canteiro de plantação de frutas cítricas na cidade de Montenegro/RS....

PROVOCAÇÕES AO OLHAR
Prof.ª Dr.ª Andrea Hofstaetter
“A observação é o princípio de minha prática pictórica.” Acompanho o trabalho de Michele Martines já há alguns anos e atesto que a afirmação permanece verdadeira, no sentido de fundar o trabalho da artista. O conceito de observação pode ser entendido, aqui, tanto como ato realizado pelo olho que deseja ver, quanto como do pensamento que deseja conhecer e entender o que é feito, como é feito e porque é feito, relacionando-o com a história e a memória da prática artística e pictórica.
À observação seguem-se outros processos na elaboração das séries que se sucedem desde 2003: seleção, apropriação, associação de elementos díspares e articulação dos mesmos no plano pictórico, num fazer lentamente elaborado, nas camadas de tinta que vão se sobrepondo e, quiçá, juntando-se a outras matérias em alguns momentos. É perceptível que as decisões no processo poético vão sendo tomadas com base em aspectos do que foi observado e de acordo com um direcionamento dado previamente por um feixe de intenções – que exerce um papel disparador já na escolha daquilo que vai ser observado...
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ABUSO ​
Elisa Maia
Tobias”, “Renato” e “Miguel” pertencem à série de pinturas intitulada “Abuso”, de Michele Martines. Cada uma das telas, batizada com um nome próprio, exibe uma figura masculina em uma situação que remete aos anúncios publicitários. Para compô-las, Michele parte de imagens fotográficas pesquisadas na internet, mesclando-as e manipulando-as de forma a alterar as legendas, as cores e padronagens de acordo com a proposta de cada trabalho. Com a referência em mãos, a artista parte para a pintura, meio que define como um “amor verdadeiro” - “sempre senti prazer no fazer manual, em misturar cores, arrastar o pincel sobre a tela e vencer o desafio da imagem”, conta.
Ao pintar corpos de homens, Michele parece inverter a lógica da extensa iconografia na qual a mulher figura como objeto do olhar masculino. Desde as pinturas renascentistas até as campanhas publicitárias, que lançam mão de corpos atraentes como elementos centrais de persuasão, predominou uma relação na qual o homem participa como o sujeito que olha, enquanto a mulher, cuja imagem foi associada às noções de beleza, graça e suavidade, comparece como objeto deste olhar. A artista conta que a série Abuso foi então motivada por um questionamento - “por que a beleza física do corpo masculino ainda é tão pouco explorada na pintura?” ...

A CARTA
Renata Santini
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Em meio às frequentes apropriações versadas pela arte contemporânea, nos deparamos nesta exposição com o objeto Carta, tão caro e raro em feitio manual. Seu destaque, neste caso, se deve ao fato de ter sido encontrada por acaso, em meio aos descartes de uma vizinha de Patriciane quando ela tinha 12 anos. Michele costuma encenar situações típicas da linguagem fotográfica em pintura, como uma forma de realizar o que parece não ser possível pelo dispositivo fotográfico. Em “Diz a carta, muda a estampa” (2012), o reflexo da imagem de Patriciane na janela durante a ação de leitura da carta não condiz com sua aparência em primeiro plano e em destaque. Noutro momento, Patriciane aparece pela linguagem fotográfica com a carta em mãos, percorrendo a área externa de uma antiga construção, usando o mesmo vestido azul de bolinhas brancas com o qual aparece na pintura de Michele.
A leitura da carta escrita à mão por um jovem que deixa o Rio Grande do Sul para trabalhar em São Paulo desperta a imaginação das duas artistas. Tanto sua visualidade quanto seu conteúdo são determinantes para o encaminhamento de suas ações. Notemos que se trata de apenas um dos direcionamentos possíveis. A carta saudosa de um filho para sua mãe, no ano de 1939...

CONTRAPONTOS
Marco de Araujo
A pintura que Michele Martines vem realizando desde que começou sua atividade artística sempre nos traz questões importantes pertinentes à arte contemporânea. A artista já trabalhou, por exemplo, com a inserção da palavra na obra junto à imagem e com apropriação de figuras femininas oriundas da história da arte e de outros universos. Na exposição A Coleção Particular apresenta 4 trabalhos nos quais a união e a contraposição de elementos distintos são muito evidentes: o jogo entre o desenho e a pintura, o uso e o não uso da cor e a contraposição de diferentes concepções espaciais.
Esses trabalhos consistem em pintura sobre tela mesclada com elementos característicos do desenho. Às figuras e ao cenário pintados, Michele contrapõe o desenho feito com adesivo na parede, resolvido linearmente, e que, ao mesmo tempo, dá continuidade ao cenário da pintura. As figuras são coloridas, enquanto que o cenário é pintado em preto e branco. Além disso, o espaço do cenário é representado de forma realista através da perspectiva “renascentista”, enquanto que a figura é “cubista”, ou seja, é fragmentada e representada com vários pontos de vista simultâneos, contrapondo-se ao ponto de vista único do cenário.
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EU-REFLEXÃO: ...
Bruno Felix da Costa Almeida
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“Isso não é um Resumo. É um prelúdio?! Um prefácio?! Uma abertura?! Uma bula?! É o que Tu pensares que possa ser: reflexão e pensamento e escrita e conexão e arte e música. Inspirado nas obras da exposição “As Ruas de Estar” (MARTINES, 2018), emerge a possibilidade de Estar à Escrita Performativa, incitada pelo questionamento: O que se faz primeiro: pensa ou diz, diz ou pensa? Assim, me coloco às inquietações sobre esse Si (RICOUER, 2014), à complexidade (MORIN, 2015a; 2015b) de pensar as Artes e a Música na FUNDARTE (HUMMES, 2019), sendo memória e história e fenomenologia (RICOUER, 2007). Contudo, é ao EstarEducarPensar com os Es que me conectam nesse lugar de Ser MúsicoProfessorEducadorPesquisador que posso ser Eu, o Si mesmo e Outros.
VESTINDO AS FANTASIAS DO COTIDIANO: APROPRIAÇÃO E MANIPULAÇÃO NA PINTURA CONTEMPORÂNEA
Michele Martins Nunes
A manipulação de referências históricas e culturais como meio de produção artística é uma das práticas recorrentes na arte contemporânea. Marcel Duchamp foi um dos precursores desta prática, quando, por exemplo, pôs bigodes em uma reprodução da Mona Lisa. Porém, foi na Pop Art que essa prática passou a chamar mais a atenção e, com o passar dos anos, vem se fortalecendo. Tal fortalecimento é possível de se observar também em tendências artísticas como a Transvanguarda Italiana e o Neoexpressionismo Alemão.
A manipulação de referências históricas e culturais como meio de produção artística é uma das práticas recorrentes na arte contemporânea. Marcel Duchamp foi um dos precursores desta prática, quando, por exemplo, pôs bigodes em uma reprodução da Mona Lisa. Porém, foi na Pop Art que essa prática passou a chamar mais a atenção e, com o passar dos anos, vem se fortalecendo. Tal fortalecimento é possível de se observar também em tendências artísticas como a Transvanguarda Italiana e o Neoexpressionismo Alemão.