FRUTOS DA LIGAÇÃO



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Nas pinturas da série Cenas Urbanas, iniciada em 2014, os Orelhões passaram a ser um ícone recorrente. As cabines de telefones públicos destacaram-se como elemento característico do mobiliário urbano brasileiro, até então notáveis em todo território nacional. Interessou-me o design arredondado dos Orelhões contrastando com outros elementos da paisagem urbana. O Orelhão foi projetado em 1971 pela arquiteta Chu Ming Silveira, atendendo ao desafio de encontrar uma solução em termos de design e acústica para os telefones públicos, reunindo funcionalidade e beleza. Fabricado em fibra de vidro, resistente ao sol, à chuva e a altas temperaturas. Um elemento que por décadas foi útil à população, na atualidade, com o advento das novas tecnologias, tornaram-se obsoletos e gradualmente estão desaparecendo da paisagem.
Ao perceber que os Orelhões estavam sendo removidos das ruas, passei a pensar em como poderia apropriar-me desse objeto numa proposição artística. O município de Montenegro-RS, onde vivo e trabalho, destaca-se pela citricultura, daí surgiu a ideia de tirar proveito do formato arredondado dos Orelhões realizando uma pintura que fizesse alusão às frutas cultivadas na região. Compondo as peças como se fossem três árvores: um limoeiro, uma bergamoteira e uma laranjeira, “plantadas” num canteiro. A pintura dos orelhões, explorando as variações de cores cítricas, busca assemelhar-se aos frutos cortados ao meio, criando uma imagem lúdica no cenário urbano.
Diferentemente de uma pintura exposta nas paredes de uma galeria ou museu, a obra de arte instalada no espaço público integra o cenário urbano, sendo mais um elemento que o compõe. Reflete sobre a percepção do lugar, interagindo diretamente com os indivíduos no cotidiano. Na medida em que deslocam-se pela cidade os cidadãos acabam se deparando com a arte sem a necessidade de ir até os espaços convencionais, como museus e galerias, atingindo assim públicos que não têm o hábito de frequentar estes ambientes.
O canteiro rodoviário escolhido para a instalação da obra está localizado próximo a RS 287 e a entrada do Parque Centenário, que é um espaço de uso diário dos munícipes para atividades esportivas e recreativas, e o principal local para a realização de eventos de médio e grande porte. Um local de bastante visibilidade que estava em estado de abandono no momento de elaboração da proposta. Pensando no diálogo com o contexto local, Frutos da Ligação teve como objetivo fortalecer a identidade do município e o sentimento de pertencimento da população.
O título da obra, “Frutos da Ligação”, faz referência a apropriação das cabines telefônicas e da citricultura, um símbolo do município. Também versa sobre o espaço que é de todos, um espaço de convivência e soma. As cabines de Orelhões podem trazer ao espectador algo do passado, conectando-o com suas memórias, gerando distintas leituras e interpretações. Ligando elementos que constituem parte da nossa história, encontramos frutíferas referências para projetar nosso futuro. Ao reutilizar materiais que seriam descartados, a proposta também exemplifica como materiais antigos podem ter uma nova existência, criando também um diálogo em torno da urgência da conservação de recursos para um futuro mais sustentável.
Revitalização da obra
Instalada em um canteiro público de Montenegro/RS, a obra Frutos da Ligação propõe uma ressignificação poética e crítica do mobiliário urbano obsoleto, ao transformar antigas cabines telefônicas — os populares “orelhões” — em uma plantação fictícia de frutas cítricas. Composta por 13 peças reaproveitadas, a instalação resgata memórias afetivas relacionadas à comunicação pública enquanto evoca parte da identidade agrícola do município. Ao fundir pintura e escultura, tecnologia em desuso e imaginário local, a obra atua como um campo simbólico de pertencimento, sustentabilidade e reinvenção do cotidiano.
Contudo, ao ocupar o espaço público, obras como essa enfrentam os desafios do tempo: ação do clima, desgaste físico e até o risco do esquecimento. É nesse contexto que a revitalização de Frutos da Ligação, realizada no início de 2025 com apoio do edital municipal Multiarte, financiado com recurso federal pela Lei Paulo Gustavo, com apoio da empresa Signsul, ganha importância não apenas estética, mas também política e cultural. O processo envolveu a limpeza das cabines, repintura com novas variações de tons cítricos e vibrantes e a instalação de uma placa de identificação.
Em meio a uma paisagem em constante transformação, a arte pública estabelece marcos sensíveis, oferecendo outras formas de ver, de lembrar e de estar no lugar. Quando uma intervenção como Frutos da Ligação é cuidada, restaurada e valorizada, ela reafirma sua potência de intervir na percepção da cidade e de seus habitantes, tornando-se parte viva do território. Mais do que uma questão de manutenção, a conservação de obras no espaço público é um gesto de resistência simbólica. Num cenário em que práticas artísticas muitas vezes sofrem com a precariedade de políticas culturais, revitalizar é também reconhecer a importância da arte como instrumento de transformação social e de construção de identidade. Ao preservar Frutos da Ligação, Montenegro não apenas cuida de um objeto artístico: reafirma seu compromisso com a memória urbana, com a valorização do patrimônio cultural contemporâneo e com a permanência da arte como parte ativa da vida cotidiana.